Giovanna Caleiro
2 min readJan 30, 2022

eu costumava pensar no amor como uma espécie de ficção, de jogo ou de peça, em que se sabe que tudo é inventado, que quase nenhuma palavra significa o que deveria significar, que há um léxico próprio, jargões, clichês, porque a linguagem do real não dá conta. o amor como um jogo de nunca falar toda a verdade, mas acreditar que sim, piamente, até as últimas consequências. que quando se diz, por exemplo, que se ama alguém pra sempre, enunciadore e interlocutore sabem (ou pelo menos deveriam saber) que o pra sempre do amor não é igual ao da vida, e justamente aí está a graça, em amar tanto alguém a ponto de inventar uma ficção, em amar tanto alguém a ponto de acreditar em uma.

outro dia eu te perguntei onde mora a nossa ficção, pra onde a nossa loucura transborda, por onde vaza a fantasia quando nos falamos toda a verdade, sempre e abertamente. você riu um pouco, pensou um pouco. me falou que acha que nosso jogo mora exatamente aí, na verdade. em testar os limites da verdade, em esbarrar nos limites do amor, em tatear no escuro as bordas, as margens, as fronteiras de tudo o que a gente aprendeu que era o amor. nosso amor é um experimento, antes de ser uma experiência, e acho que aí mora a nossa loucura. quanto de verdade um amor pode suportar? quanto de realidade é possível processar antes que tudo exploda?

você me dá a mão, espera a explosão comigo. não explode, a gente avança. explode, ninguém é ferido de morte, limpamos os destroços, lambemos as feridas, seguimos.

eu e você, ratinhes de laboratório dormindo de conchinha, nos submetendo a dores e prazeres só porque podemos, só porque sabemos como, só porque topamos antes. criadoras, criaturas, recebendo choques, agulhadas, testando drogas, fazendo uma espécie de Frankenstein, costurando braços e pernas e mãos, dissecando cérebros e corações.

se eu colocar minha mão aqui, o que acontece? se eu for mais fundo, dói? se eu tentar entrar nesse lugar que era de outra pessoa, o que acontece com ele? o que acontece com a gente? algum lugar é mesmo de alguém? pra que serve essa parte do nosso corpo? o que acontece para um corpo ficar dentro do outro? até onde é possível ir dentro de si? e de alguém?

Giovanna Caleiro

Dedicated to everyone who wonders if I’m writing about them. I am.