Viver é melhor que sonhar

Giovanna Caleiro
2 min readNov 13, 2020

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Minha terapeuta diz:
— Você não precisa levar as coisas até o fim pra realizar os seus desejos. Você pode escrever.

Então me sento aqui, abro esta página. Escrevo. Tento enxergar a escrita como um jeito de viver também, mas nunca foi. Eu sempre vivi primeiro, escrevi depois. Não sei escrever ficção, não sou observadora o suficiente pra construir personagens, eu só sei o que acontece e o que eu sinto. Pra mim, escrever é pegar a sua mão, te levar até a cena aonde tudo aconteceu e falar:

— Assista.

E ficar de lado. Mas a gente nunca fica de lado, é claro. Na verdade o que estou dizendo pra você é:

— Assista pelos meus olhos, enxergue como eu enxerguei, se sinta como eu me senti. Me entenda.

Então, não, talvez eu não consiga substituir o viver pelo escrever. Talvez eu precise levar as coisas até o fim. Talvez eu não seja boa de fantasiar, imaginar, construir. Ou melhor, sou. A maior parte do tempo, tudo acontece aqui, dentro da minha cabeça. Mas essa não é toda a verdade, é só a minha parte. A verdade só acontece no encontro com o outro. Sim, a minha cabeça cria mil histórias, antes de viver eu já pensei em 359 possibilidades pra tudo o que vai acontecer. Mas no fim, o imprevisível, a alteridade, aquilo que o outro faz e eu jamais conseguiria imaginar porque não é na pele dele que eu estou, tudo isso é o que me faz escrever. O outro, esse pesadelo, essa utopia, tá tudo lá: a coragem, a excitação, o medo, o ódio, a raiva, o tesão, o amor. Mil possibilidades guardadas dentro de cada pessoa que a gente conhece e ainda vai conhecer. Isso não tem escrita que substitua.

Então eu me sento aqui. Abro esta página. Escrevo, faço uma tentativa. Tento me livrar de tudo o que está na minha cabeça, tento construir uma ficção, tento escrever ao invés de ter que ir lá, levar as coisas até o fim, destruir relações inteiras, construir outras novas, quebrar a cara, amar demais, me colocar na beira de um precipício. Mas daqui, sentada, eu não sinto nenhum frio na barriga. E a porta aberta fica me chamando.

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Giovanna Caleiro

Dedicated to everyone who wonders if I’m writing about them. I am.